Para quando você me encontrar as 3 da manhã e fingir que não me conhece.
A vida tem dessas mesmo e se a gente nunca mais se ver me promete que guarda esse bilhete?
Se essa for a última vez que nos falamos, quero que seja sem filtros.
Sem cortes.
Sem edições.
Sem aquela merda que a gente faz pra parecer melhor do que é.
Pode ser?
A vida tem essa mania de separar as pessoas sem aviso prévio.
Um dia você tá lá…
No outro, só resta um espaço vazio na memória de quem ficou.
Ou pior: um rosto que você vê no posto 24 horas às 3 da madrugada e finge não reconhecer.
A vida tem dessas mesmo.
Seria engraçado se você lembrasse de mim como uma cena daquele filme esquisito que a gente "assistiu" na Netflix.
Bem, eu acho que a gente não estava muito assistindo o filme.
Ou sei lá, talvez você só me esqueça por completo.
Talvez você esqueça:
O esquisito.
O idhiota.
O safadho.
O sorriso.
(Bom, isso eu duvido, mas se conseguir...)
Eu só peço que não esqueça essa parte idiota.
A parte que gritaria seu nome no meio da rua só pra te deixar com vergonha.
A parte que sussurrava no seu ouvido algo como "deixa a metade do lanche pra mim".
A parte que depois de ter dançado bêbado, ainda cuidava de você.
A parte que te levava na garupa da moto com aquela curva que eu fazia só pra te fazer abraçar mais forte.
A vida tem dessas mesmo.
Já percebeu que as nossas idas - pra viagens, pra bares, pra festas - às vezes são melhores que o evento em si?
Às vezes você junto comigo, com a galera, na estrada, a gente se divertia mais do que no lugar onde a gente tava indo.
A vida é o caminho, não o destino.
E eu fui um trecho do seu.
Eu nunca quis ser lembrado pelo bilhete que deixei naquela noite.
Aquele pedaço de papel com letras tortas.
Cada palavra escrita com a mão tremendo.
Cada frase carregada de medo disfarçado de certeza.
Eu errei.
Não no que escrevi.
Mas em acreditar que uma despedida pode ser limpa.
Que um corte pode ser cirúrgico.
Que uma pessoa pode sair da sua vida sem arrancar um pedaço seu junto.
A vida tem dessas mesmo.
Se a gente nunca mais se ver — seja porque o mundo é grande demais ou porque a memória é misericordiosa demais — não quero que você lembre de mim pelas coisas certas que fiz.
Lembra da vez que eu te acordei às 5 da manhã só pra gente ver o nascer do sol?
Ou quando pilotei duas horas na chuva só pra te buscar?
Ou quando eu disse aquela verdade que ninguém mais teve coragem?
Ah porra, talvez um dia lembre de mim.
As pessoas guardam momentos, não conquistas.
Fragmentos, não histórias completas.
E o estranho é que geralmente são os momentos mais idiotas que ficam.
Os instantes em que a gente é verdadeiro sem querer.
Talvez a gente se encontre num posto de gasolina qualquer.
Você com um café requentado.
Eu com olheiras de quem ainda não aprendeu a dormir direito.
E vamos trocar aquele meio-sorriso de quem reconhece alguém que já habitou sua vida.
Sem saber o que dizer.
Sem saber se é melhor lembrar ou fingir esquecimento.
A vida tem dessas mesmo.
Se a gente nunca mais se ver, quero que você saiba:
A pessoa que você conheceu não existe mais.
Não porque eu mudei.
Mas porque eu finalmente executei a única decisão que importa: a de ser quem eu sempre fui, sem pedir desculpas.
As pessoas chamam isso de "crescer".
Eu chamo de o nascer do adulto de verdade.
Você executa a criança que seus pais criaram para que o adulto que você escolheu ser possa finalmente respirar.
Esta é minha última carta.
Não porque não nos veremos mais.
Mas porque, depois deste domingo, o homem que a escreveu terá deixado de existir.
Como aquele garoto na inundação.
Às vezes, você precisa cortar fora uma parte para que o todo sobreviva.
A vida tem dessas mesmo.
Com tudo que restou,
Aquele que você conheceu.
PS: Se esta carta te deixou com aquela sensação estranha no peito — aquele vazio que não é bem tristeza nem saudade, mas algo entre os dois — então ela cumpriu seu propósito. A melhor despedida não é a que fecha portas, mas a que deixa uma janela entreaberta.